almas nuas.

Saturday, July 13, 2013

Cap. IV - Turistas


    Quando na noite da chegada fomos para o quarto, depois de explorar todo o hotel e de termos jantado num simpático restaurante que ficava do outro lado da estrada, ainda nem queríamos acreditar que ali estávamos, longe dos nossos lares e embrenhadas na saudável loucura que sempre tínhamos desejado. 
    Já deitadas nas camas e mesmo tentando alimentar a conversa, ambas sabíamos que o cansaço nos iria vencer e provavelmente a conversa ficaria cortada num momento que nenhuma de nós iria recordar no dia seguinte. 
    Após um longo momento de silêncio, provocado por um cansaço que nos prendia as palavras, vi a Johanna levantar-se para fechar as cortinas da janela, uma vez que nenhuma de nós conseguia dormir com luz e assim que ela se deitou desliguei o candeeiro que se encontrava do meu lado esquerdo.

- Até amanhã Jo. - Disse já de voz sonolenta recebendo como resposta um grunhido pouco perceptível. Sorri e virei-me de barriga para baixo, adormecendo quase logo de seguida.

    Na manhã seguinte fui a primeira a acordar, quando começava já a entrar uma ténue luz através dos cortinados. Antes de abrir os olhos esfreguei-os, estranhando a cama onde estava deitada. A Johanna ainda dormia na cama do lado, respirando profundamente e soltando suspiros de cada vez que expirava. Sorri e espreguicei-me, ignorando as dores no corpo, cheia de vontade de saltar da cama e explorar todas as ruas de Berlim. 
    Levantei-me e resistindo à vontade de abanar a Johanna, vesti o primeiro vestido que me apareceu na mala. Fui à casa-de-banho, passei a cara por água, atei o cabelo num rabo de cavalo e saí, pé ante pé, do quarto.
    Ignorei o elevador, que estava de portas abertas no nosso andar, e desci pelas escadas procurando apropriar-me um pouco mais do ambiente que se vivia naquele simpático hotel. Era um ambiente calmo, familiar. Quase me fazia lembrar o prédio dos meus tios, onde todos os vizinhos se conheciam e se cumprimentavam alegremente. 
    Sem me dar conta acabei por chegar ao hall de entrada onde várias pessoas andavam apressadas de um lado para o outro. Passei entre elas, como quem passa por entre a chuva, e os meus olhos prenderam-se em brochuras colocadas em cima do balcão da recepção e que apontavam os pontos de visita obrigatória na capital e nas cidades envolventes. 
     Recolhi um exemplar de cada e sentei-me na poltrona que se encontrava mais próxima das janelas, procurando sentir o calor do sol matinal na minha pele. Depois de tanto virar as páginas das brochuras acabei por decidir o local onde levaria a Johanna nesse dia: um passeio de barco pelo rio Spree. Visto que em Berlim não existiam praias e se previam dias quentes, nada como navegar pelo rio, sentindo o fresco da água nas nossas caras. Já me estava a imaginar, de olhos pregados nas ondas que bateriam no casco e de ouvidos abertos para as explicações do guia. 
    No momento em que me levantava, decidida, a Johanna apareceu no hall. Trazia o cabelo solto e os olhos ainda semicerrados. Reparei que ela observava atentamente os turistas que saíam já pela porta principal, de chapéus na cabeça, calçado confortável e máquinas ao pescoço. Assim que me viu apressou-se a juntar-se a mim, levou a cara até ao meu ouvido e sussurrou:

- Pff, olha ali os típicos turistas que nunca saíram de casa! - Riu-se e eu não consegui evitar rir ao olhar para a cara dela. 

- Deixa-te desses comentários racistas sua falsa. Deves esquecer-te que também és turista!! - Ela fingiu um ar zangado e cruzou os braços no peito.

- Mas não somos assim. Temos um outro nível de vestimenta e aparência! - Descruzou os braços e deu uma volta para me mostrar que não se vestia como as mulheres que tinham acabado de sair. Ri-me da atitude dela, encolhendo os ombros de seguida. Não havia nada a fazer. Aquela rapariga nunca iria mudar e era isso que me fazia gostar tanto dela.

- Não tens emenda! - Peguei-lhe no braço e puxei-a atrás de mim. - Anda vamos comer que hoje temos muito que fazer.

- Temos?! Não sabia disso! - Olhei para ela e sem pensar muito atirei a brochura para o seu peito. Ela agarrou-a e depois de um breve olhar, sorriu.

- Tu e a água. A água e tu. - Pisquei-lhe o olho e logo depois de recomeçar a andar ela apressou-se para ficar ao meu lado e rematou com uma frase que me fez rir. - Lá porque vamos ao mesmo sítio que todos os turistas não quer dizer que sejamos iguais a eles. Nunca na vida vou usar um chapéu daqueles. - Ao reparar que eu me estava rir acabou por soltar também uma gargalhada.

    Quando conseguimos parar de rir já tínhamos chegado à sala onde era servido o pequeno-almoço. Estavam ali mais de dez mesas cheias de iguarias com ar delicioso. Olhámos uma para a outra com os olhos a brilhar.


- Ao ataque! - Disse, pegando-lhe na mão e arrastando-a para a primeira mesa. Estava mais que na hora de começarmos o primeiro dia da nossa grande aventura. E não havia melhor modo do que sair para a rua com o estômago bem confortável. Tinha o pressentimento que o dia prometia bastantes alegrias.

1 comment:

  1. Sinceramente, acho que me vou tornar vizinha deste teu cantinho.

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