almas nuas.

Monday, July 29, 2013

Cap. V - Conhecendo Berlim


Durante sete dias partimos à descoberta da bela cidade de Berlim, alugámos bicicletas em alternativa às despesas que teríamos se usássemos os transportes públicos, e andámos a pé, sempre que possível. Dividimos os locais a visitar pelos gostos de cada uma, sendo que visitámos três monumentos em concordância imediata: a fonte da amizade, o monumento de homenagem ao Holocausto e um pedaço do muro de Berlim. Visitámos, também o Portão de Brandeburgo, a igreja Gedächtniskirche (“Tu e as igrejas…” dissera-me Amélie na altura), o Reichstag, que é o edifício do parlamento alemão, a catedral de Berlim, entre vários outros pontos importantes que são um ícone na Alemanha.
           
            -Então, vamos sair? – Disse na nossa última noite em Berlim.
            -Não me apetece muito.
        -Vá lá… Não podes dizer que estivemos em Berlim sem experimentar a noite… - Acabei por convencê-la, como sempre e uma hora depois estávamos prontas a sair.
           Eu optara por um vestido de verão, azul, e uns saltos altos pretos. Prendera o meu cabelo num rabo-de-cavalo e colocara uns brincos longos e um colar com um pendente em forma de flor. Em oposição, Amélie escolhera um conjunto mais confortável: calças de ganga, ténis pretos Converse e uma camisola branca. O cabelo escuro dela estava solto e usava apenas uma bandolete. Ao contrário de mim não usava qualquer tipo de maquilhagem.
            -Vá, só um pouco de batom… - Insisti.
            -Não.
          -Amélie, não é assim que o vais esquecer. Sabes que tenho uma teoria em relação a isso… “A melhor maneira de esquecer um velho amor é encontrar um novo amor!” – Citei esticando o indicador na direção dela. Amélie acabou por se rir e consentir.
            -És louca.
           Enchi o peito perante a sua afirmação e, com o maior dos sorrisos concordei com ela, acrescentando ainda que era por essa razão que ela gostava tanto de mim. Amélie sempre foi uma rapariga calma, introvertida e tímida. Eu também o sou, mas costumo ser sempre eu a puxá-la para as maiores loucuras, como uma noite de inverno, quando tínhamos dezassete anos.

            Estava a passar férias em Paris e os meus pais não me deixaram sair de casa por ter baixado as notas numa disciplina, mas eu não podia estar em Paris e não estar com a minha melhor amiga, a minha irmã, então, uma noite, saltei pela janela e, ao frio e sob neve cerrada, peguei na bicicleta e pedalei até casa dela. Acordei-a atirando-lhe pedrinhas para a janela do quarto e ela chamou-me louca por ter pedalado até ali com aquele frio. Fora a primeira vez que ela me chamara de louca. Ficámos a noite toda na conversa, a beber chocolate quente com Marshmallows, apesar de ela me dizer, de meia em meia hora, que deveria ir para casa antes que os meus pais reparassem que eu não estava lá.
            Saí de casa dela cedo, sabendo que deveria estar na cama antes dos meus pais me acordarem e consegui, trepei pela janela e enfiei-me na cama. Não adormeci, estava a relembrar as conversas que tínhamos tido nessa noite quando o meu pai me acordou, uma hora depois de me ter deitado. Ao pequeno-almoço, para minha alegria, informaram-me que podia sair, porque me tinha portado bem durante o fim-de-semana, e estiquei a corda perguntando se podia ir passar a noite a casa da Amélie. Eles aceitaram e corri a contar-lhe a notícia, mas o que eles não sabiam é que nessa noite ia haver um concerto da nossa banda preferida.
            Durante a noite anterior desafiei Amélie para irmos ao concerto, mas ela recusara-se, pois os pais não iam deixar, então convenci-a a dizer aos pais que ia ficar em minha casa, enquanto eu diria aos meus que ia ficar em casa dela e íamos escapulir-nos para ir ao concerto. Ela não queria aceitar, dizia que tinha tudo para correr mal.
            -E se os meus pais ligam aos teus a perguntar por mim? - Perguntou-me ela com medo.
            -Não ligam! Tens quase 18 anos, tens idade para tomar conta de ti própria. Se ligassem a alguém, ligariam a ti!
            -E se os TEUS pais ligam aos meus?
            -Não ligam. Eu disse que os teus pais iam visitar uma tia qualquer que morava nos arredores e que íamos estar sozinhas. Eles confiam em ti, por seres ajuizada e isso, por isso não ligam.
            À hora combinada, fui ter a casa de Amélie, equipada com uma T-shirt da banda e, entre risinhos de medo e ansiedade, fomos de bicicleta até ao recinto do concerto. Correu tudo bem, nenhum pai ligou a ninguém, ambos apenas nos mandaram mensagens a perguntar se estava tudo bem e às duas da manhã já estávamos na cama, a rir baixinho para não acordar os pais de Amélie, que não sabiam que estávamos ali.
            -Então, valeu a pena? - Perguntei-lhe.
            -Sim... Obrigada - respondeu-me com voz de sono.
            -Vês... - Disse adormecendo, com um sorriso na cara.

           Encontrámos um bar perto da pousada. Ficava situado num edifício antigo de pedra e tinha portas de madeira. Por dentro estava decorado com garrafas de variadas bebidas, algumas com muito pó, e barris nas paredes de madeira escura e as mesas e os bancos condiziam com a tonalidade da parede. Não estava muito cheio e a música estava no volume certo para se ter uma conversa ou para dançar, que era o que estava a fazer um grupo de jovens a um canto, ao pé de uma antiga aparelhagem de música. Percorremos o caminho até ao balcão, que se situava na porta oposta à entrada, e sentámo-nos nos bancos de madeira. O balcão era mais claro que as paredes mas por trás dele também estavam várias garrafas, estas já sem pó, e mais barris.
            Por trás do balcão estava um jovem, não muito mais velho que nós, loiro e com olhos azuis. Usava um avental preto por cima de uma t-shirt de manga cava que deixava perceber os músculos bem definidos dos braços.
            - Hallo, meine Damen. Was kann ich für dich tun? - Perguntou-nos ele.
            -Desculpe, não falamos Alemão… - Respondeu Amélie, timidamente. Ele riu-se e respondeu com um sorriso.
            -Pois claro que não. Perguntei o que vão desejar as senhoras.
            -Eu quero uma cola. – Pediu Amélie. Ele olhou para mim, em seguida.
            -Não. Dois whiskeys, por favor, duplos, com gelo.
            Amélie lançou-me um olhar reprovador mas ele serviu-nos prontamente.
O rapaz do bar pôs conversa connosco, perguntou-nos de onde éramos (ficou muito feliz por saber que eu era de Londres) e o que fazíamos em Berlim. Tal como suspeitara, Amélie libertou-se e começou a tagarelar alegremente com ele, dizendo que estávamos a fazer uma viagem juntas para tirarmos umas férias das nossas vidas. Klaus (era esse o seu nome) tinha 22 anos e estava a tirar Literatura Inglesa, daí ter ficado tão feliz quando soube de onde era. Mais tarde uma rapariga juntou-se a nós, apresentando-se como sendo a irmã mais velha de Klaus, Alexandra. Ficámos a conversar durante mais algumas horas.
-Prometo que vos irei visitar a Londres e a Paris. – Disse Klaus, sorrindo à despedida.
-Ficaremos à espera então. – Disse eu descontraidamente. Amélie corou ligeiramente com a ideia de ter aquele Deus Grego em Paris consigo.
Saímos do bar e caminhámos de volta à pousada.
-Então, valeu ou não valeu a pena sair? – Perguntei a Amélie, entrelaçando os nossos braços. Ela acenou afirmativamente. – Aquele Klaus… bem giro não?
Amélie corou antes de murmurar:
-Acho que sim…
-Achas? Ele não tirava os olhos de ti. – Disse, rindo-me. Amélie corou até à raiz do cabelo. – Vá, não precisas de ficar da cor do meu cabelo, Amélie.
Quando chegámos à pousada arrumámos tudo o que faltava e enfiámo-nos na cama, no dia seguinte iríamos partir para Praga.
-Jo? - Chamou-me Amélie no escuro.
-Sim?
-Obrigada… por me teres tirado de casa e… por tudo, basicamente.
Sorri no escuro.
-De nada. Sabes que tu estando feliz, eu estou feliz. Agora dorme, temos que acordar cedo amanhã.
Amélie sorriu também e adormecemos. 

Saturday, July 13, 2013

Cap. IV - Turistas


    Quando na noite da chegada fomos para o quarto, depois de explorar todo o hotel e de termos jantado num simpático restaurante que ficava do outro lado da estrada, ainda nem queríamos acreditar que ali estávamos, longe dos nossos lares e embrenhadas na saudável loucura que sempre tínhamos desejado. 
    Já deitadas nas camas e mesmo tentando alimentar a conversa, ambas sabíamos que o cansaço nos iria vencer e provavelmente a conversa ficaria cortada num momento que nenhuma de nós iria recordar no dia seguinte. 
    Após um longo momento de silêncio, provocado por um cansaço que nos prendia as palavras, vi a Johanna levantar-se para fechar as cortinas da janela, uma vez que nenhuma de nós conseguia dormir com luz e assim que ela se deitou desliguei o candeeiro que se encontrava do meu lado esquerdo.

- Até amanhã Jo. - Disse já de voz sonolenta recebendo como resposta um grunhido pouco perceptível. Sorri e virei-me de barriga para baixo, adormecendo quase logo de seguida.

    Na manhã seguinte fui a primeira a acordar, quando começava já a entrar uma ténue luz através dos cortinados. Antes de abrir os olhos esfreguei-os, estranhando a cama onde estava deitada. A Johanna ainda dormia na cama do lado, respirando profundamente e soltando suspiros de cada vez que expirava. Sorri e espreguicei-me, ignorando as dores no corpo, cheia de vontade de saltar da cama e explorar todas as ruas de Berlim. 
    Levantei-me e resistindo à vontade de abanar a Johanna, vesti o primeiro vestido que me apareceu na mala. Fui à casa-de-banho, passei a cara por água, atei o cabelo num rabo de cavalo e saí, pé ante pé, do quarto.
    Ignorei o elevador, que estava de portas abertas no nosso andar, e desci pelas escadas procurando apropriar-me um pouco mais do ambiente que se vivia naquele simpático hotel. Era um ambiente calmo, familiar. Quase me fazia lembrar o prédio dos meus tios, onde todos os vizinhos se conheciam e se cumprimentavam alegremente. 
    Sem me dar conta acabei por chegar ao hall de entrada onde várias pessoas andavam apressadas de um lado para o outro. Passei entre elas, como quem passa por entre a chuva, e os meus olhos prenderam-se em brochuras colocadas em cima do balcão da recepção e que apontavam os pontos de visita obrigatória na capital e nas cidades envolventes. 
     Recolhi um exemplar de cada e sentei-me na poltrona que se encontrava mais próxima das janelas, procurando sentir o calor do sol matinal na minha pele. Depois de tanto virar as páginas das brochuras acabei por decidir o local onde levaria a Johanna nesse dia: um passeio de barco pelo rio Spree. Visto que em Berlim não existiam praias e se previam dias quentes, nada como navegar pelo rio, sentindo o fresco da água nas nossas caras. Já me estava a imaginar, de olhos pregados nas ondas que bateriam no casco e de ouvidos abertos para as explicações do guia. 
    No momento em que me levantava, decidida, a Johanna apareceu no hall. Trazia o cabelo solto e os olhos ainda semicerrados. Reparei que ela observava atentamente os turistas que saíam já pela porta principal, de chapéus na cabeça, calçado confortável e máquinas ao pescoço. Assim que me viu apressou-se a juntar-se a mim, levou a cara até ao meu ouvido e sussurrou:

- Pff, olha ali os típicos turistas que nunca saíram de casa! - Riu-se e eu não consegui evitar rir ao olhar para a cara dela. 

- Deixa-te desses comentários racistas sua falsa. Deves esquecer-te que também és turista!! - Ela fingiu um ar zangado e cruzou os braços no peito.

- Mas não somos assim. Temos um outro nível de vestimenta e aparência! - Descruzou os braços e deu uma volta para me mostrar que não se vestia como as mulheres que tinham acabado de sair. Ri-me da atitude dela, encolhendo os ombros de seguida. Não havia nada a fazer. Aquela rapariga nunca iria mudar e era isso que me fazia gostar tanto dela.

- Não tens emenda! - Peguei-lhe no braço e puxei-a atrás de mim. - Anda vamos comer que hoje temos muito que fazer.

- Temos?! Não sabia disso! - Olhei para ela e sem pensar muito atirei a brochura para o seu peito. Ela agarrou-a e depois de um breve olhar, sorriu.

- Tu e a água. A água e tu. - Pisquei-lhe o olho e logo depois de recomeçar a andar ela apressou-se para ficar ao meu lado e rematou com uma frase que me fez rir. - Lá porque vamos ao mesmo sítio que todos os turistas não quer dizer que sejamos iguais a eles. Nunca na vida vou usar um chapéu daqueles. - Ao reparar que eu me estava rir acabou por soltar também uma gargalhada.

    Quando conseguimos parar de rir já tínhamos chegado à sala onde era servido o pequeno-almoço. Estavam ali mais de dez mesas cheias de iguarias com ar delicioso. Olhámos uma para a outra com os olhos a brilhar.


- Ao ataque! - Disse, pegando-lhe na mão e arrastando-a para a primeira mesa. Estava mais que na hora de começarmos o primeiro dia da nossa grande aventura. E não havia melhor modo do que sair para a rua com o estômago bem confortável. Tinha o pressentimento que o dia prometia bastantes alegrias.